domingo, 18 de novembro de 2007

Poder em Cena

PODER EM CENA


Paper Realizado por:
Alda Cardoso
Arminda Costa
Filomena Santos



Pequena nota sobre o autor
Georges Balandier nasceu em Aillevillers, Haute-Saône, 1920. É sociólogo e etnólogo de formação. Actualmente é Professor na Sorbonne e Director da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS). É colaborador do Centro de Estudos Africanos.

«Quando a informação se move a uma velocidade eléctrica, o mundo das tendências e dos rumores torna-se o mundo “real”.»
Marshall McLuhan



BALANDIER, Georges, O Poder em Cena, Ed., Minerva, Coimbra, 1999.

Na Nota Introdutória Tito Cardoso e Cunha (p.11) diz-nos que «O problema que se nos põe com Balandier é, de certo modo, inverso: a novidade do que ele chama “teatrocracia” está nessa inversão que faz do poder quase vítima, senão mesmo sujeito submetido à tirania da sua representação mediática.»
Georges Balandier ilustra e analisa o modo como o poder político se representa e actua, tanto nos períodos de manifesto conflito como de aparente calma, nas diversas sociedades, efectuando a inversão que faz dele quase vítima dos meios.
O autor neste livro centra-se na construção e ilustração da sociedade nos seus diversos âmbitos, históricos, sociológicos, políticos, no espaço e no tempo que a realidade determina, transportando para o palco as personagens que a compõem, transformando este num “écran” onde passam as imagens.
É aqui que se inicia aquilo a que o autor chama de “teatrocracia” ou seja, o sujeito submetido à tirania da sua representação mediática.
O autor reúne-se à volta do que denomina a “trindade”: informação, comunicação e técnica. Ela domina o âmbito teórico do livro “A comunicação de Massas”. Demonstra-o através da representação, dramatização, encenação – no “Drama”, “Desordem”, “Inverso”, “O Écran” e finalmente o “Grande Ângulo” – onde se ilustra que o poder político não desaparece nem passa para segundo plano, mas sim, muda de forma graças ao desenvolvimento das tecnologias mediáticas.
Neste percurso pretende fazer uma comparação das diversas sociedades, em diferentes espaços e tempos, para demonstrar que em todas elas o poder político se manifesta da mesma forma: através da teatralização.
O parentesco entre a arte da política e a arte da cena é estreita. A grande manifestação do poder dá-se através do imaginário. Daí a importância e o motivo dos governantes utilizarem técnicas como a imagem, a propaganda, a oratória, a representação, pois, segundo Balandier «o grande actor político comanda o real pelo imaginário» (p.21).
Tem-se por exemplo as ilustrações feitas por Balandier (as festas, carnavais, bobos, sátiras, coroações, entradas triunfais nas cidades, desfiles, sacrifícios, acusações de bruxaria, silêncio) assim como, as imagens propostas por Maquiavel, as quais identificam o Príncipe ao herói; Savonarola, na Idade Média, utilizava a oratória na sua teatralidade; Luís XIV que, por meio de uma ampla rede de comunicação e de uma ritualização do poder, proporcionou a construção da sua imagem pública.

Dramatização mediática destinada a uma vasta audiência
«O que se revela no texto novo é a obra da “trindade” que rege agora todas as coisas: informação, comunicação e técnica. (…). As linguagens, as simbolizações e as imagens, as ritualizações e as dramatizações adaptam-se a esta coacção e actuam assim sob influência. A exploração seguida é a do espaço mediático: grande cenário onde se situam grande quantidades de cenas da vida colectiva. Aí, ela rectifica as construções do real, as formas de a produzir e de lhe dar significado. (..) E sugere-se, neste caso, que a dramatização mediática destinada a uma vasta audiência tende a ocupar o lugar que anteriormente, era ocupado pela imprensa, pela literatura e pelo teatro popular» (p.16).
Supressão do político pelo mediático
«A atenção é fixada principalmente sobre os efeitos de campo que provoca a mediatização generalizada no interior do espaço político. (…) O que está em causa é a supressão do político pelo mediático, e o abandono da gestão para único proveito dos “competentes”, encarregados da solução técnica dos problemas. (…). Põe assim em questão a democracia, porque o seu exercício não se pode contentar com uma adesão fraca que é mais característica do espectador “à distância” do que do cidadão activo e cooperante. (…) o mal democrático é hoje, a anestesia catódica da vida política.» (p.16-17).

«O que é preciso saber é que os poderes tradicionais tiveram sempre a dupla responsabilidade da ordem das coisas e da dos homens. E que daí resulta um aparato simbólico e cerimonial de uma riqueza profusa, uma multiplicação de prescrições e proibições, uma dramatização generalizada da qual a natureza, as cidades e as aldeias são os palcos. A racionalização política não apaga totalmente os costumes antigos.» (p.31-32).
Nesta exposição o autor vai ao encontro de dois dos valores da pluridimensionalidade do conceito de comunicação, que são a comunicação como um processo histórico e a comunicação como transmissão de cultura. Ou seja, recolocamos a história hoje, a lógica do “tempo” sobrepõe-se à lógica do espaço. A comunicação enquanto “formadora” porque transmite cultura, valores, crenças mas principalmente como veículo de transmissão dos valores culturais.
Temos como exemplos actuais as reconstruções históricas que se fazem um pouco por todo o país como p.e. as manifestações de carácter religioso (procissões) e de carácter lúdico (Carnaval), nas quais nos são transmitidos valores culturais e históricos que fazem parte da nossa realidade social.
«Progressivamente o poder põe-se em palco, incluindo a sua forma repressiva no momento das execuções capitais, no decorrer das quais é exposta a hierarquização social, e o “exemplo” é convertido em espectáculo».
Ao colocar o poder em palco e ao convertê-lo em espectáculo estamos a comunicar para influenciar, para produzirmos uma certa reacção e provocarmos respostas e estímulos.
Senão vejamos um exemplo actual, a decorrer neste momento no panorama internacional: o caso da condenação por enforcamento de Sadam Hussein. O personagem – chefe máximo da hierarquia iraquiana, autor de massacres civis em massa – é trazido para o palco, através do grande écran, como forma de contextualizar a ordem e a desordem e, acima de tudo, justificar a justeza da sentença, mas também para demonstrar que as más acções são punidas. «O melodrama exige que o mau seja castigado “existe nisso uma ideia moral”», (p.56).
O palco é múltiplo consoante o lado e os olhos que o vêm:
Em Balandier «O poder tem a capacidade de manipular, a seu proveito e directamente, este instrumento que é o processo de inversão.» (p.72).
Segundo Saddam Hussein o personagem é o George W.Bush, «peça de teatro armada por George W.Bush para ganhar as eleições de 2004 (…) É tudo um teatro. O criminoso de verdade é Bush» ;
Ainda palavras de Balandier «A ordem e a desordem da sociedade são como a cara e a coroa de uma moeda, indissociáveis. Dois aspectos ligados, sendo um, do ponto de vista do senso comum, a figura invertida do outro» (p.67).
Transportando o conceito para os dias de hoje: o comportamento distinto de dois grupos, os sunitas e os xiitas, que respectivamente dizem: «protestam contra a sentença de morte»; «celebram a condenação à morte do ex-ditador» ;
Segundo George W. Bush «a sentença é uma importante vitória» ;
A Presidência da UE opõe-se à pena capital em todos os casos e em todas as circunstâncias e apela para que não seja aplicada no caso presente.

«O tempo das suspeitas às quais a indignação deontológica ou moral faz episodicamente companhia. A crítica envolve-se com tanto mais vigor quanto mais a inquisição dos fabricantes de imagens persegue não só o acontecimento e os seus actores como também o homem comum até aos seus mais longínquos esconderijos da vida privada e da intimidade, até ao momento preservados – ela apoia-se em dramas de vida vulgar para os transformar em “espectáculos da realidade» (p.140).
A sociedade actual tem nos media o seu principal palco onde actuam os produtores de factos para influenciarem os públicos. Os media constroem e desconstroem as realidades sociais.
Citando Mauro Wolf «Quanto mais expostas estão as pessoas a um determinado assunto, mais o seu interesse aumenta, e à medida que o interesse aumenta, mais as pessoas se sentem motivadas para saberem mais acerca dele».
O espectáculo das imagens efectua-se de algum modo por inversão e com um duplo sentido que não retira eficiência, utilizando os meios mediáticos para desvolorizar o político, acompanhando os seus desvios até às últimas consequências.
Na actualidade temos como exemplo o mediático caso “Casa Pia” e, mais concretamente, a que envolve o personagem Paulo Pedroso, membro da nossa esfera política.
Conforme nos diz o jornalista Eduardo Cintra Torres no artigo – Drama e Emoção na Política – «A Direcção do PS transformou a libertação de Pedroso num pseudo-evento inscrito na esfera pública e do Estado e operou a sua dramatização e teatralização, legitimando que nos “media” e na opinião pública se fizesse o mesmo» .
Situa-se a cena na saída de Paulo Pedroso da penitenciária e a sua ida para S. Bento, onde se posicionam as diversas personagens políticas do acto, captam-se as primeiras declarações no Parlamento e justifica-se a comemoração com o regresso do personagem principal ao palco. Nas cenas criadas constatamos a organização dramatúrgica, a componente emocional e a mistura de ambas com o acto político.
A Direcção do PS decidiu actuar mediaticamente recorrendo, como diz Balandier «… aos veículos do espectacular e de uma construção do real baseada na encenação» .

«O que está em causa é o enfraquecimento do político pelo mediático (…) o poder ocupava sem discrição o espaço da televisão, hoje, esta invade os domínios do poder» (p.138).
Os meios de comunicação de massas acabaram por formar um verdadeiro sistema parapolítico que desenvolve uma forte influência sobre o sistema político através da sua actividade pública de carácter cognitivo que é a construção da realidade social.
Recentemente assistimos à mediatização do político Pedro Santana Lopes. A incerteza que afectou a sua relação como político submetendo-o a um regime de ambiguidade, que associou a curiosidade e o desinteresse, o crédito e o descrédito.
O que leva à descrença ou à indiferença do cidadão é:
o a inflação da informação, tanto das palavras como das imagens;
o a “teatrocracia” deturpada pelo exagero nos tratamentos espectaculares do político que perde a capacidade de transformar as acções do poder, de gerar consenso e solidariedade;
o a ideologia diminui à medida que a comunicação e os media estendem a sua influência, favorecendo o aparecimento de uma espécie de “consenso”, que tudo destrói e desvitaliza a democracia enfraquecendo o confronto e o choque de ideias.


Concluindo, para Balandier o poder e a sua demonstração ou representação, a sua dramatização e encenação são indissociáveis em todas as épocas e tipos de sociedades.
O livro «Poder em Cena» é actual e um retrato fiel do quotidiano humano. A facilidade com que se constroem e desconstroem cenas, personagens e momentos é-nos retratada desde a antiguidade até hoje. Tudo se harmoniza no espaço e no tempo. A ordem e a desordem são complementos essenciais para a vivência humana. São os incentivos para a procura constante da satisfação.
Na era da globalização em que a definição de identidade se torna cada vez mais difícil, transportamo-nos para o imaginário, ou seja, para o palco, em tentativas constantes de construção do «Self».
O contributo deste livro na área das ciências sociológicas será constante dado que se impõe uma vasta pesquisa em consonante evolução com a sociedade e crescimento dos factores sociais que nos envolvem.
A dramatização mediática destinada a uma vasta audiência e a supressão do político pelo mediático torna-se a moeda e as suas duas faces. Ou seja, cada uma delas em consonância, remeter-nos-á sempre para a outra.